segunda-feira, 13 de setembro de 2010

O tempo passa, as coisas ficam




As nossas lembranças encontram-se impregnadas nas coisas, os eventos que vivenciamos se tornam coisificados, não se trata de objetos jogados ao acaso, mas sim dotados de sentido. Sabe aquela sensação de que algo tem o “gosto” e o “cheiro” de nossa infância, pode ser um alimento, um brinquedo, uma música, dentre outros? Remetemos a saudade de um tempo que se passou, pensamos “mas eu era tão feliz e não sabia”, e de fato, estávamos a grosso modo livre do stress que nos atormenta hoje, não víamos o egoísmo de um Mundo tão competitivo, se resumindo na conquista individual e a dimensão desta, não nos preocupávamos com os impostos, pois eram os nossos pais quem os pagavam, não se tinha a dimensão de um terço dos problemas que se tem hoje, o nosso universo era do tamanho de nossa imaginação.
Esse tempo que está lá atrás nos faz pensar nas pessoas que eram importantes para nós e que ainda os são, entretanto já não fazem parte do nosso dia-a-dia, olhamos então para o presente e pensamos no quanto crescemos e evoluímos e as coisas nos trazem fragmentos de lembranças impregnadas em momentos de saudade.
Gerações se passam e deixam neste mundo parte do que somos, fragmentos de Carbono, é bem verdade aquele ditado “quando a gente morre não leva nada”, o completo afirmando que se
deixa,biologicamente, somos solidários a outros organismos, Machado de Assis já trazia em seu livro “Memórias Póstumas de Braz Cubas” a dedicatória ao “verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas Memórias Póstumas”, o fato é que conforme o corpo se decompõe, os tecidos soltam uma substância esverdeada que desperta o apetite das moscas, o corpo humano proporciona alimento e é um ótimo lugar para depositarem seus ovos. Uma mosca pode se nutrir bem com um cadáver e em seguida liberar até 300 ovos sobre ele, gerando cria em um dia.



A vida e a morte andam juntas, o difícil é conviver e se conformar com as questões psicológicas e emocionais que emanam diante desta ultima, é algo que perpassa por toda uma complexidade.
Involuntariamente deixa-se um lugar no mundo para outra pessoa ocupar, é o ciclo natural das coisas, a única certeza tão relembrada nos poemas, como já citava Augusto dos Anjos em “ Já o verme – este operário das ruínas/ que o sangue podre das carnificinas/ come, e á vida em geral declara guerra” no poema “Psicologia de um Vencido” e em “Nos restou conviver/ Aceitar, somos simplesmente mortais, com medos reais/Espero contar com a minha sorte/ Vou pedir pra Deus!/Com a certeza da incerteza do amanhã”, na música “Inevitável” de Luciano e J.M. Trevisan.


Agora imaginem: no mundo há cerca de 6,83 bilhões de pessoas, se ninguém tivesse morrido, teria hoje aproximadamente 106 bilhões!!!! O que de fato é intrigante é que tudo que vai deixa um pouco, deixa alguma coisa para nos fazer companhia, nos acostumamos com a ausência , mas não esquecemos, impregnamos as lembranças em coisas e o fim é como na letra da música “Quanto tempo, eu já nem sei mais o que é meu/ Nem quando, nem onde/Tudo que vai/Deixa o gosto, deixa as fotos/Quanto tempo faz/Deixa os dedos, deixa a memória/ Eu nem me lembro mais/Fica o gosto, ficam as fotos/Quanto tempo faz/Ficam os dedos, fica a memória/ Eu nem me lembro mais” ( “Tudo que vai - Dado Villa-Lobos, Alvin L., Tony Platão )





Por Nilmara Saturnino